03 outubro 2009

A PROCURA DA ONÇA-PINTADA NA CAATINGA PIAUIENSE É DESTAQUE NO GLOBO REPORTER

A onça-pintada, o maior felino das Américas, é um dos animais sobreviventes encontrados na Serra da Capivara, sul do Piauí. Uma surpresa para os pesquisadores. No Nordeste, elas são tão raras que parecem lendas.

"Eu só acreditei depois que vi", conta o agricultor Arnoldo Ribeiro. Viu e acabou escapando por um triz. O encontro com a onça-pintada deixou marcas. Primeiro, ele viu o filhote dentro de um buraco no paredão. "Era um filhote de onça! Meu cunhado, que estava fora, disse que havia o rastro de um cachorro. Eu disse que não era de um cachorro porque ainda está o mau cheiro da urina dela. O filhote tinha mais ou menos três dias de nascido", lembra. saiba mais
Equipe enfrenta a Caatinga em busca da onça-pintada

Enquanto Arnoldo admirava o filhote, mal sabia que também estava sendo observado pela mãe superprotetora. Ele levou um susto. "Eu escorreguei tentando correr e caí. Quando eu percebi, ela vinha com a boca aberta para pegar meu pescoço. Foi Deus que ajudou, porque eu caí e ela bateu nas minhas costas, me escorei com meu braço, o rosto no chão, caí só com o peso dela. Depois que ela me atacou, voltou para dentro da fenda. Ela só estava defendendo o filhote, que parecia um cabrito recém-nascido", lembra o agricultor.
"Nós sabemos que eles estão aqui. O desafio é chegar até o animal", diz o biólogo do Instituto Onça-Pintada, Leandro Silveira.

As fotos provam. São flagrantes de câmeras com sensores. Até a onça-preta, a pantera brasileira, foi fotografada na Serra da Capivara. Treze animais já foram identificados, e a expectativa é de que sejam mais de 30 rondem na região. O biólogo Leandro Silveira comanda a expedição. Missão quase impossível em um pedaço tão selvagem do Nordeste do Brasil.

"Além de serem bastante raras, a região é de difícil visualização. É extremamente difícil visualizar uma onça andando em um ambiente desses. Nós temos esperança de encontrar um rastro fresco o suficiente para que os nossos cachorros possam nos ajudar a chegar até o animal", declara o biólogo.
"Elas moram em tocas nas redondezas, difícil é encontrá-las", afirma o guarda-parque Júlio Filho.

É difícil penetrar na vegetação seca e espinhosa. O biólogo Leandro Silveira fica com o rosto todo sangrando. Todo cuidado é pouco também para os cachorros que farejam a onça.

"Na Caatinga, nunca foi estudado antes. É uma grande surpresa saber que esses animais vivem nesse ambiente", revela Leandro Silveira.

Mas parece que as dificuldades são esquecidas em nome da pesquisa e do trabalho. A prioridade é achar a onça, capturá-la para exames de laboratório, identificação e, depois, soltá-la de novo.

Os cachorros partiram em disparada. Um rastro fresco acabara de ser encontrado! "Pelo rastro, dá para saber se é uma onça-pintada porque é maior, mais compacto, mais preenchido. Os dedos são mais dondos. Dá para ter ideia de que é uma pintada", explica o guarda-parque João Leite.

"Ali na frente" pode significar uma distância de pelo menos oito horas de caminhada pela imensidão da caatinga.

A veterinária Mariana usa uma antena de rádio para tentar captar algum som dos cachorros, que têm coleiras com sensores, para serem rastreados.

O esturro da onça é quase um troféu para os pesquisadores. Foi possível captá-lo em várias reportagens do Globo Repórter no Pantanal, por exemplo.

Mas nas montanhas de pedra da Caatinga, a onça ainda é mais sorrateira. É difícil alcançá-la nos labirintos.

"A esperança não morre nunca. Nosso objetivo, como pesquisadores, é ir até o final dessa história. Nós queremos entender mais como essas onças vivem nesse ambiente e vamos até o fim", conta Leandro Silveira.

Os pesquisadores passaram quatro dias só vendo pegadas da onça. "Vamos encontrá-la, mas temos que lembrar que se fosse fácil qualquer um já teria feito há muito tempo", diz o biólogo.

"Na caatinga é difícil. Esse tipo de desafio ajuda a formar pesquisadores. A ciência avança justamente pelos caminhos ainda não trilhados. Eventualmente é importante para a formação de alguém que queira ser um cientista, enfrentar os problemas e descobrir as novidades", afirma o professor Jader Marinho Filho, da Universidade de Brasília (UnB).

SERRA DA BOA VISTA - PI NO GLOBO REPORTER


A Serra da Boa Vista, no Piauí, é um refúgio de animais selvagens, uma área de transição, onde a vegetação do cerrado que vem desde o Planalto Central encontra a caatinga, um ecossistema tipicamente nordestino. Os paredões da serra se tornaram abrigos de animais, como macacos e araras. São um laboratório natural para estudos de pesquisadores do Brasil e de outros países. Os macacos são primitivos, mas muito evoluídos.
Os pesquisadores estão fascinados com os macacos geniais que encontraram na região. A bióloga Camila Coelho e o médico veterinário e biólogo Luiz Biondi são da Universidade de São Paulo (USP). A chinesa Tim Liu veio dos Estados Unidos.
É preciso ver para crer e revelar a grande descoberta: "A quantidade de coisas que eles fazem que se assemelham a coisas que o próprio ser humano humanos faz", diz o biólogo.
Esses macacos são capazes de usar ferramentas como os homens da Idade da Pedra. Eles sustentam pedras mais pesadas do que o próprio corpo. Uma pedra com mais de 3,5 quilos é usada para quebrar cocos como se fosse um martelo.
"Eles escolhem pedras mais pesadas para cocos mais duros e pedras mais leves para cocos menos duros. E também a distância em que eles transportam os martelos", continua Camila Coelho.
"Tim é uma pesquisadora que está conosco agora. Ela faz pesquisa nos Estados Unidos e seu interesse é entender o que os macacos entendem do uso de ferramentas", explica Camila Coelho.

A pesquisadora chinesa Tim Liu instalou uma balança no meio do mato. Com a água, ela atrai os macacos. Quando eles sobem, são pesados. Depois ela faz a avaliação com o peso que eles usam para quebrar o coco e analisa a capacidade de força de cada um. Eles chegam rapidinho. Curiosos, acham muito estimulante a bacia de água limpa e fresca.

A experiência está dando certo. Para chegar à bacia, eles sobem na balança. Mais um ponto para a pesquisadora que veio de longe. Ela não perde tempo. Tim Liu observa, filma e vai anotando tudo, detalhe por detalhe, das inúmeras expressões corporais de todos que vão chegando, sem cerimônia. E é claro: ela documenta o comportamento e o peso de cada um.

"Ela pesa também os martelos, a dureza, o tamanho e as dimensões do coco", diz Camila Coelho.

É um encontro cheio de surpresas agradáveis. A pesquisadora Tim Liu já percebeu mais uma façanha dos macacos: eles sabem qual é a parte da pedra mais apropriada para quebrar os cocos, dependendo do tamanho da pedra e do tamanho do fruto.

 
Eles são animais diferenciados, mas de uma espécie conhecida: macaco-prego. Eles adquiriram muitas habilidades, talvez, para sobreviver. Ganharam mais resistência e inteligência, mas contaram com ajuda humana também.

 
Em um paraíso da Caatinga moram famílias simples com uma nobre e séria intenção: preservar a natureza.

"Nasci e fui criado aqui. Comecei a lidar com os animais aqui", conta o guarda-parque Marino “Mauro” Gomes de Oliveira.

 
Mauro fala sobre o trabalho de conscientização para que a população não mexa com os bichos. "Não podem entrar com arma. Estamos sempre defendendo. Os macacos, por exemplo, são como uma família para mim. Eu tenho seis filhos. Amo eles e amo também os macacos. O dia em que eu não vejo os macacos fico preocupado com eles", diz.

Tal pai, tal filho. Os herdeiros de Mauro já conhecem os macacos pelo nome.

"Tem o Amarelinho e o chefe do bando, que é o Mansinho", revela um de seus filhos.

 
"Existem dois gêmeos dos quais ainda não sabemos o nome porque o sexo não foi identificado", conta um outro filho de Mauro, o guarda-parque, Marino Júnior Fonseca de Oliveira.
Os gêmeos mamam ao mesmo tempo. A história dos filhotes é muito rara. “Pelo menos que eu tenha conhecimento, nunca haviam sido divulgados gêmeos do gênero Sebus que tivessem vingado na natureza. Isso é algo inédito", conta Luiz Biondi.

 
Pelo visto, o entusiasmo vai contagiando as pessoas que descobrem o lugar. "Nasci aqui. Os pesquisadores chagaram aqui e começaram a trabalhar, pesquisar e me contrataram como assistente porque eu já conhecia a área. Gosto muito de trabalhar na natureza, no lugar onde nasci. Eu amo esse lugar. Por isso, sou feliz", conta o gaurda-parque Marino de Oliveira".

"Eles ficam bem próximos porque já sabem que não mexemos, só preservamos", diz o filho de Mauro de Oliveira.

 
De geração em geração, as lições de vida se espalham nos sertões do Nordeste. É assim com os humanos.

"Começou com o meu pai. Eu já estou um pouco experiente, estou trabalhando, aprendendo e levando para os outros", diz Marino Júnior.

É assim também com os macacos.

 
"Eles aprendem a quebrar o coco com a pedra com os mais velhos. Quando são pequenos, eles observam o comportamento dos adultos. Depois, eles pegam pedras pequenininhas – até mesmo um coco – e batem em cima do outro brincando para aprender", explica o guarda-parque Mauro de Oliveira.



"Eu fui criado de maneira a acreditar que havia sempre uma separação muito grande entre seres humanos e qualquer tipo de animal. Quando a gente percebe que uma série de animais é capaz de fazer determinadas coisas é como se fosse uma revolução no modo de pensar. E esses animais são muito especiais", comenta Luiz Biondi